quarta-feira, julho 08, 2009

O Monstro



Ele seguia cambaleando pela avenida. Cada passo era como uma vitória. O vento frio do outono lambia sua pele suja e ressecada levando consigo o aroma de sua precária higiene. Um casal cruza a rua e evita seu olhar – sou um monstro – pensou. Estava acostumado ao desprezo da sociedade, visto como um pária, aquele que “sobra”. O por do sol tinge de dourado os prédios encardidos e as ruas fétidas. Procura um lugar para sentar, a bebedeira está passando, está conseguindo pensar novamente. Ele odeia ter de pensar, cada vez que reflete sobre sua vida sente um vazio enorme, lembra-se de que é um monstro. Para em frente a um velho cinema abandonado. Outros monstros estão na porta cabisbaixos. Um deles cobre-se com uma folha de jornal. Há algo escrito, porém como não sabe ler vê a figura. Um casal sorridente segura um cartão dourado na mão. – estes são gente afinal. Senta-se ao lado do outro que nem se mexe. Olha para rua, vazia afinal. Uma lufada de ar levanta os papeis jogados que dançam a melodia que vem do assovio gerado pelo vento que se espreme pelas frestas e cantos da cidade. O Sol dá seu último suspiro e se esconde por de trás da igreja matriz. Seus olhos cansados começam a querer se fechar, porém o ronco de seu estomago vazio os acorda. Com muito esforço levanta até a lixeira, a bebedeira está no fim sente enfim a fome. Remexe com cuidado, entre os dejetos acha um pote de iogurte. Enfia o dedo na garrafinha e retira uma generosa porção. Leva a boca, não mata sua fome, mas lhe concede uma breve sensação de prazer. Após sorver até o último suspiro do laticínio joga a embalagem no meio fio e vira-se em direção ao banco da praça. A cada passada aumenta o peso em suas costas, sente sua cabeça pesar pressionando suas vértebras, parece que seu pescoço não suportará a pressão. Apóia a mão direita no banco e vira-se, ao sentar sente um formigamento refrescante, como se seus músculos estivessem comemorando o momento em que podem enfim relaxar. Lentamente vai se permitindo deitar esticando seus membros sujos e podres pelo banco da praça. O vento gelado da noite lhe abraça como um castigo do carrasco. Sua pele reage ao contato e arrepia-se, tentando inutilmente afastar o cobertor gelado da noite. O monstro está cansado demais para levantar-se e procurar algo. Pelo menos o frio lhe disfarça a fome. – Meu Deus!!!!! Estou gelado!!!! – . Oh! Pobre monstro! Que espécie de Deus tu clamas? O mesmo que se revelastes a Abraão? Aquele era a imagem e semelhança do homem e não de ti, pobre asquerosa criatura. Para ti não há Deus, há somente a conformidade de tua existência. O sono custa a chegar. Abraçando o próprio corpo o monstro luta contra o frio e finalmente dorme. Um sono sem sonhos, mas sem dor. E é sem dor quando quatro garotos humanos se aproximam e numa brincadeira inocente jogam-lhe álcool e tacam-lhe fogo. O monstro nem se mexeu enquanto era consumido pelas chamas, talvez já estivesse morto antes de seu corpo arder. Os quatro garotos voltaram felizes para casa. Tinham matado o monstro, agora o mundo está mais humano.

imagem: Las Manos Del Mendigo. de Oswaldo Guayasamín

domingo, junho 28, 2009

Musica da semana - Vanessa Mae

Ela começou a tocar piano aos 3 anos de idade e aos 5 anos já tocava violino.
Ficou relativamente famosa no Reino Unido quando em criança aparecia com regulariedade na televisão (por exemplo em
Blue Peter) geralmente por envolver muito a música e o estilo clássico conservador.
Ao entrar na adolescencia Vanessa-Mae rompe a influência que tinha com os pais e torna-se conhecida pela sua aparência e estilo sensual e glamorosa nos videoclipes de música com a sua roupa estilosa. Ela apareceu com
Janet Jackson no álbum The Velvet Rope a tocar violino a solo na canção "Velvet Rope".
Vanessa-Mae foi recebida com aclamação e elogiada pelo seu estilo e talento pessoal, mas por outro lado também foi sujeita a muita controversia. Alguns criticos disseram que as suas capacidades (habilidades) tecnicas e musicais são de facto rudimentares e que ela é apenas um produto típico da industria da música a tentar usar o sex appeal (apelo sexual) para vender música clássica comercializada. Ainda existe outros que acham que ela está a fazer um des-serviço a música clássica. Ela contrapõe dizendo que estes criticos são demasiado tradicionais e elitistas. E eles são incapazes de apreciar a sua fusão de música clássica com a música pop e eles nem sabem fazer música, eles apenas reservam-se ao cinismo cruel.
Em Abril de 2006, Vanessa-Mae foi classificada como a jovem artista mais rica no Reino Unido na
Lista dos Ricos do Jornal Sunday Times 2006. Ver Lista na página do Jornal Sunday Times

por preguiça e falta de tempo retirei o texto do wiki.

veja o video
aqui

terça-feira, junho 23, 2009

Sagrado e Profano

O sagrado e o profano foram temas musicais na sala de aula esta semana. Para o sagrado deixei ao cargo de Petra, pioneira do rock cristão e para o profano a banda inglesa Cradle of Filth.
As duas bandas foram, e ainda o são, alvos de preconceito. Petra faz um competente Hard Rock mas é perseguido pelos não cristãos, por falar de Deus e Cradle of Filth, por acreditarem que todos os que tocam ou apreciam Black Metal são pessoas doentes que julgam serem a encarnação do deus Odim e saem por ai queimando igrejas.

links:
Cradle of Filth
Petra

segunda-feira, junho 15, 2009

Musica em sala de Aula - Toumani Diabate

Estou muito contente com os resultados de meu delírio pedagógico de otimizar o tempo "vago" da sala de aula onde os alunos copiam minha lousa, ampliando o conhecimento musical deles com músicas fora do mainstream. Como tenho certeza que meus alunos estão curiosos de como é o instrumento de cordas, a Kora, resolvi colocar um video do artista africano. Toumani é um dos mais versáteis músico/performer do Mali, no continente africano, que mistura as tradições da sua terra natal com o flamenco, blues e o jazz.
para ver o video clique aqui

domingo, junho 14, 2009

Greve e PM na USP. Email de Ana Fani, Prof. Dra. da Geografia - USP aos alunos



Sobre a crise que enfrentamos e o comunicado da chefia. Ana Fani Alessandri Carlos Pois é, não dá para entender nossa sociedade ignorando o sentido e os usos do espaço. As barricadas delimitam, organizam o fluxo, impedem o uso e a apropriação pelo corpo. Mas também nos obrigam a pensar o que as motivam. Podemos, inicialmente, inverter o raciocínio e dizer que a violência é a necessidade das barricadas não sua existência. Elas nos obrigam a reflexão. O que as motivam é a necessidade de, diante de arbitrariedades, exigir o debate, fazer-nos emergir de nosso trabalho cotidiano, por vezes alienante, para pensar a universidade e os seus rumos, bem como o conteúdo de nossas atividades. Policia no campus!Isso sim, fere os mais importantes princípios que fundamentam a existência da universidade, princípios estes, que a ditadura sempre desprezou e, que nossa reitora, parece desdenhar. Até alguns alunos acham necessária a presença policial no campus; aprenderam com quem? Tristes tempos! Obriga-nos pensar na degradação da universidade e na necessidade de pararmos tudo para refletir sobre nossas atividades, projetos e compromissos. Um primeiro passo parece importante: se acreditamos minimamente na necessidade/importância da democracia é absurdo questionar o ?direito de greve? e de suas manifestações. Estes são momentos de realização concreta da democracia, do exercício do ?direito à diferença?. Quando se interrompe o debate arbitrariamente, impedindo avanços, a greve se torna legítima. O difícil sempre foi aceitar a democracia na prática da vida cotidiana, basta ver a pérola do jornalista do SBT "essa gente deveria levar tiro" da polícia, referindo-se aos funcionários grevistas da USP ou o argumento que compara piquete com tropa de choque. Aqueles que reivindicam em nome do coletivo, por uma sociedade melhor ou por uma universidade que repense seu papel na sociedade, como ?exercício de liberdade?, têm sido criminalizados. É típico do projeto autoritário. É difícil aceitar o diferente, principalmente numa sociedade que impõe o individualismo como único ?estilo possível de qualidade de vida?. No mundo do produtivismo acadêmico é difícil entender as lutas em defesa da universidade livre e democrática aonde o debate e o exercício da diferença possam ser exercidos com dignidade e ética. Mais, como compromisso social. Lembremos: a universidade deve garantir condições para a realização de um processo de conhecimento baseado no pensamento crítico que apóie o desvendamento dos caminhos a serem seguidos, fundamentados em múltiplas visões de mundo. O exercício de liberdade é o único meio de descoberta, sem essa base a produção do conhecimento se empobrece e, com ela, a própria sociedade. Isto porque o ser humano guarda múltiplas dimensões, seu processo de constituição é sempre aquele da criação, recriação, superação. A constituição do cidadão passa pela afirmação de sua condição humana em todas as suas dimensões o que significa, inclusive a capacidade de incorporação da ciência e da arte. Passa pela afirmação de sua condição humana, capaz de concebê-la em todas as suas dimensões; abdicar dessa situação é simplificar o papel do conhecimento no processo de constituição da humanidade do homem - um conhecimento que amplia as possibilidades de realização do homem enquanto sujeito da história e de entendimento da história em seus nexos visíveis e invisíveis. A formação do cidadão passa, necessariamente, pelo exercício do conhecimento. O exercício da liberdade advém da capacidade do cidadão de conhecer o mundo ao qual pertence e esse processo de conhecimento é sempre uma atividade que se desenvolve metodicamente. Conhecer é criação, é inovação é assumir riscos ? todos eles presentes na atividade prática do conhecimento. É preciso estar atento para as transformações e para isso é preciso haver liberdade para pesquisar e pensar par levantar problemas, para questionar os rumos da sociedade e da universidade. A pesquisa é um desafio constante para nós, representa, concretamente a possibilidade de descoberta de nossa condição no mundo exercida de modo livre. Por sua vez o aprendizado deve permitir a atuação plena da personalidade do ser humano e a tomada de consciência da realidade concreta em que vivem os homens e das contradições que dela emerge, permitindo ou bloqueando a mudança. A pesquisa é ela própria um desafio e representa concretamente a possibilidade de descoberta de nossa condição no mundo que deve ser exercida de modo livre. Por sua vez o aprendizado deve permitir a atuação plena da personalidade do ser humano e a tomada de consciência da realidade concreta em que vivem os homens e das contradições que dela emergem. A reflexão e o debate se impõem como condição indispensável da existência da atividade acadêmica e se revelam enquanto tempo lento; um tempo não submetido a prazos delimitados e definidos por réguas de ?produtividade? que marca o mundo da mercadoria. O tempo lento é aquele amadurecimento das idéias e da gestação - e é das relações entre estas que os ramos do conhecimento se diferenciam; nas ciências humanas, por exemplo, as relações entre sujeitos e objeto não se tecem em Laboratórios. Na contramão do sentido da produção do conhecimento, como tempo lento, nos deparamos com a imposição do que podemos chamar de um ?tempo produtivista? que invade a pesquisa de fora para dentro, requerendo respostas rápidas, criando o pesquisador ?eficiente? e a pesquisa ?competente?. Eficiência e competência são os requisitos básicos para suprir as demandas do mercado, por isso mesmo, junto com a eficiência, produz-se a sua própria obsolescência, posto que o atendimento das necessidades de modernização da economia e do crescimento é comandado pela competitividade num mercado sempre mais ávido de inovação. A universidade presa ao universo mercantil produz o saber técnico para instrumentalizar uma estratégia política que dá a aparência de compromisso dos poderes públicos e empresariais com a sociedade, travestido no discurso da ação direcionada aos ?interesses da sociedade?. Deste modo o projeto utópico e possível se transforma num cronograma de prazos a serem seguidos a partir de metas estritamente delimitadas e competentemente perseguidas, sob o discurso de aproximação universidade/sociedade. Essa situação marca o empobrecimento de nossa sociedade cada vez mais definida nos limites estreitos da sociedade de consumo onde o indivíduo é medido pela quantidade de informação que tem. Obscurecida a necessidade de desvendar as contradições do mundo moderno, ? cuja crise produz dentre outras coisas a extinção dos empregos ? pela produção do conhecimento do mundo, estabelece-se a confusão entre a formação de profissionais para o mercado de trabalho (cada vez mais dominada pelos quesitos técnicos) e formação do cidadão criativo e livre capaz de pensar um projeto de mudança social. Invadida pelo imediatismo e utilitarismo a Universidade se empobrece e abdica de seu papel de pensar criticamente o mundo desfocando seu horizonte do ?homem?, para o mercado. O modelo que elimina as diferenças e as possibilidades contidas nessas diferenças ? que são substancias no uso de tempos e espaços na Universidade - sufoca a construção da sociedade plural pela imposição e afirmação do idêntico e do conhecimento como reflexo de um padrão estabelecido. Lembremos ainda: a universidade só pode existir no respeito à diferença como padrão básico de comportamento, no estabelecimento de uma união profunda entre professores/alunos e funcionários em luta por uma outra sociedade o que requer a defesa da universidade.

quinta-feira, junho 11, 2009

Dica de Leitura - O povo Brasileiro de Darcy Ribeiro



Acabei de ler este livro e é fantástico. Darcy Ribeiro foi um dos mais importantes antropólogos mundiais. Nessa obra ele escancara a formação etnicocultural do Brasil. De leitura empolgante, um livro que vicia da primeira a última página e o mais importante.... você não para de pensar nele depois que lê.

Veja alguns trechos:

Foi desindianizando o índio, desafricanizando o negro, deseuropeizando o europeu e fundindo suas heranças culturais que nos fizemos. Somos, em conseqüência, um povo síntese, mestiço na carne e na alma, orgulhoso de si mesmo, porque entre nós a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Um povo sem peias que nos atenham a qualquer servidão, desafiado a florescer, finalmente, como uma civilização nova, autônoma e melhor

(...)

Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Como descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre marcados pelo exercício da brutalidade sobre aqueles homens, mulheres e crianças. Esta é a mais terrível de nossas heranças. Mas nossa crescente indignação contra esta herança maldita nos dará forças para, amanhã, conter os possessos e criar aqui, neste país, uma sociedade solidária.

Procure na sua biblioteca:

http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/

domingo, maio 24, 2009

Blues em sala de aula

Na minha ânsia de querer ser um educador em um país onde a cultura do "não saber" é cada vez mais valorizada pelos meios de comunicação, me fez repensar sobre minha metodologia de ensino. Diferentemente do cursinho, onde cuspo a matéria na mente dos meus alunos e escrevo todos os tópicos na lousa tudo ao mesmo tempo, na escola tenho mais tempo para iniciar um diálogo mais pessoal com meus alunos. Como odeio que copiem a lousa enquanto explico, sempre dei tempo para meus meninos e meninas copiarem a matéria. Há tempos penso que poderia aproveitar melhor este tempo, então desde a semana passada passei a colocar música neste intervalo. Como, conforme disse no início, tenho uma ânsia de querer educar, resolvi colocar músicas que eles não conhecessem. Iniciei com Mozart, onde dei uma breve descrição de quem ele era. Nesta semana será a vez do Blues de Buddy Guy na segunda e na terça será a vez da música eletrônica do Depeche Mode. A cada semana dois estilos musicais totalmente diferentes e desconhecidos desta nova geração.
para ver video de Buddy Guy clique aqui
para ver video do Depeche Mode clique aqui

segunda-feira, maio 18, 2009

Urbis Animalis


Saltou do onibus. Os pés tocaram o chão úmido da chuva da madrugada. Era ainda escuro quando caminhava a passos largos pelo terminal Bandeira. Desceu as escadas em direção ao acesso ao metrô. As pessoas caminham apressadas em sua rotina diária. Alguns de cabeça baixa olhavam para o chão, como uma fileira de bois caminhando em direção ao matadouro. Outros, com olhos vitreos, andavam mecanicamente pelos corredores do terminal. Junto com os demais, ele caminhava. Os passos largos demonstravam pressa. Não tinha vontade de chegar cedo, apenas seu corpo, já acostumado a esta rotina diária, agia mecanicamente sem precisar de alguma decisão inteligente para seguir seu caminho. Já estava acostumado com essa situação, afinal todos os dias de segunda à sábado deixava bem cedo sua casa no Jardim das Belezas e seguia para a República, onde iria trabalhar no escritório do Doutô António. Na saída do terminal, antes de entrar no metrô do Anhangabau, parou e foi dar uma espiada nos DVDs em promoção
– Tem algum ae do Marcelo Rossi?
– Tem não.
– Brigado.
– não serve outro?
– Não, valeu.
Contnuou seguindo. Passou pela catraca e desceu em direção à plataforma que já estava lotada. As pessoas se aglomeravam a espera do trêm. Uma senhora gorda de rosto redondo chamava sua atenção. Ela tinha o cabelo molhado muito esticado devido ao rabo de cavalo. Era interessante perceber que rente à sua cabeça estava tão retesado que dava a impressão de que os fios iriam a qualquer momento saltar da testa. Porém, logo após o elastiquinho ele tornava-se crespo, solto, aliviado da tensão que o prendia. O pescoço largo e fofo da mulher terminava em um grande colo, onde dois grandes seios desafiavam as leis da física e tentavam desesperadamente saltar fora da blusa decotada e apertada da mulher. O resto de seu corpo ele nem quis notar, pois aquelas duas grandes massas penduradas serviram para prender-lhe a atenção. Não que os achasse belo, porém devido a estranhesa que causavam, quebravam a rotina do ambiente. A mulher percebeu o olhar, mas procurou não demonstrar nada. Era casada, tinha três filhos, O mais velho já trabalhava, tinha 17 anos e fazia um bico na oficina do avô. Os dois mais novos ainda estudavam. Sentia que a cada filho que nascia um pouco de sua beleza saia junto. O corpo flácido apresentava as cicatrizes da geração da vida. Seu marido não a queria mais. A mulher sentia sua vida esvaindo, percebendo que agora o que lhe sobrava era apenas a morte, que a cada dia a levava aos poucos. Aquele rapaz, um negrinho magro, porém forte, e de olhar atrevido mexeu com seu corpo. Sentia uma pontada, um frio congelante a perfurar-lhe. Sentia seus rins colarem e uma palpitação forte. Sua garganta apertava, seu sexo lubrificado preparava-se para ser invadido, violentamente que fosse. Um homem ao lado fumava um charuto. Soltava a fumaça, que de forma delicada formava desenhos na estação. Fechou os olhos e veio a imagem de sua boca no pau daquele negrinho. Imaginava-se enrolando-se na sua cama, voltando a ser mulher, voltando a viver. Precisava desesperadamente disfarçar, controlar sua excitação. Passa então os dedos nas pontas soltas do cabelo, acariciando, imaginando tocar a ponta do membro do jovem que a olhava. A porta do metrô é aberta e a multidão entra no vagão. Como bárbaros que arrebentam os portões de um castelo e procuram espólios dentro dos limites da cidade, as pessoas, quase que derrubando umas as outras, procuram desesperadamente bancos para sentarem. A mulher consegue sentar. O garoto para na sua frente. Poderia ter sentado ao lado, teve a oportunidade, era só deslocar o cotovelo um pouco mais a direita, que aquela evangélica jamais teria conseguido. Mas ali estava bom. Podia disfardamente olhar para aqueles dois monumentos que, agora deliciosamente expostos, podiam fazer sua imaginação voar. Apesar de não serem bonitos, seu volume dava-lhe um enorme sensação de luxuria, de sexo sujo, sem pudores, sem a mediocre rotina da vida e nem preucupação com a moral. A mulher agora sentada podia percerber que o garoto a olhava por cima. Sua boca estava próxima ao membro que inchava dentro daquela calça jeans. Era só baixar aquele ziper que ela sugaria aquele membro como se sugasse a vida. O garoto, uns 15 anos mais jovem, não era bonito. Sentia o aroma de perfume barato e seus labios grossos davam uma impressão animalesca. Devia ser um desses garotos insensíveis que abusam de menininhas em festas funks, um maloqueiro, um fora da lei. O balançar do metrô a insinuava, imaginava o vai e vem, via sua boca indo e vontando, engolindo aquele membro. Imaginava as mãos do garoto segurando sua cabeça com força. E no momento do gozo a obrigando a engolir todo seu tesão que lhe escapava. Algo inesperado aconteceu. O Metrô para. A luz se apaga e ninguém mais consegue ver nada. É agora!!!!! Vou come-la! Vou chupa-lo! Durante os cinco minutos no qual a luz do trem ficou escura, muitos gritaram, outros riram, outros simplesmente continuaram espera, teve até quem dissesse que o fim do mundo estava próximo, ou que era uma invasão dos Eua. Mas ao ascender das luzes no meio da reclamação generalizada do atraso, duas pessoas mostravam em seus rostos o sorriso de quem a vida não se fez esperar, pelo menos não desta vez.

domingo, maio 17, 2009

Dor



Eram três da manhã quando olhou para o relógio. A testa estava molhada e sentia um frio umido em seu colchão, havia suado frio novamente. Levantou e foi até a cozinha. Sua cabeça pesava nos ombros, parecia que seu cérebro iria romper a sua caixa craniana e, numa explosão cinematográfica, tingir a sala com seus miolos. As mãos estavam inchadas e o pé se arrastava pelo frio azulejo da cozinha. O bebedor de barro ostentava-se como um troféu ao canto, do lado da pia. O relógio da sala gritava, ou melhor urrava tic tacs alucinantes, sua cabeça doia ainda mais, sentia a garganta seca e os olhos arderem. Finalmente consegue o copo com água, mas está tão pesado e dificil de ser erguido à boca. Em goles inclementes e refrescantes acalmou seu organismo sedento. Sorvia a água e a sentia percorrer seus poros, repondo seu gasto noturno. A cabeça doia menos quando foi para a sala – onde diabos está o controle ? – Baixou a cabeça para procura-lo em baixo do sofá... ah antes não tivesse feito isso... Franziu a testa. Uma dor lacinante perfurou suas temporas, expremendo sua mente. A cabeça estava pesada e seus joelhos dobrados não conseguiam obedecer sua vontade de levantar. A mão direita agarrava-se com força no couro velho e rachado do sofá e os dedos cravavam na espuma exposta. Com muita dificuldade finalmente levantou – droga! Preciso de um analgésico! – Caminhando com os braços erguidos e tateando o caminho como um zumbi dos filmes de Romero, alcançou o banheiro. A dor lascinante obrigava-o a manter os olhos semifechados. Seu rosto enrruga-se com a dor. Na testa, suas linhas de expressão formavam vales e colinas que brilhavam com o suor de seu rosto. Com sua mão tateando, finalmente consegue abrir o espelho, mas devido à violência de seu ato e da falta de organização no armário, duzias de caixas de remédios escorrem pelas prateleiras como a água represada de um rio. – Porra!! Nada dá certo comigo! – Um frasco de comprido se abre com a queda e a única pilula escapa e circula as paredes da pia. – Droga! Este aqui não – Sua mão procura desesperadamente segurar a pedrinha milagrosa, mas devido a sua falta de concentração graças a sua febre, deixa a cair no ralo. – Porra! E agora? – Com as mãos fechadas apoiadas na pia, tal como um lutador de boxe concentrado, tenta desesperadamente achar uma saída no labirinto congestionado de sua mente. O telefone toca. Suas palpebras apertam ainda mais, formando rugas nos cantos dos olhos. O telefone toca. Aperta fortemente suas mãos ao ponto de suas unhas marcarem a carne macia da superficie da palma. O telefone toca. Abre os olhos de forma ríspida, deixando-os exageradamente arregalados e olha para cima como se tivesse rompido a lâmina de água e desperto de um afogamento. O telefone toca.- Não vou atender – O telefone toca. – Que merda! Quem é o filho da puta sem noção? – O telefone toca. ... ... ... ... ... ... finalmente silèncio. Volta vagorosamente para sala, os pés pesados arrastam-se, deita-se no sofá, olha em volta e lembra-se de que não achara o controle. Aproxima-se da tv e liga. Um pastor evangélico salta à tela.
- Quem é aquele que salva! – grita à multidão de ovelhas hipnotizadas.
- Jesus! Jesus! – responde o séquito.
-Não há dor e nem sofrimento para aquele que acredita em nosso Senhor Jesus Cristo!
- Glória! Que assim seja!
- Grande coisa! – muda o canal. Agora a imagem de uma mão de unhas bem feitas aparece na tela do aparelho. – Mas que merda é essa?
- Este lindo anel de topázio pode ser seu por apenas quinze vezes de 800 reais. Mas ligue agora, é a última peça!
Aperta novamente o botão e ... outro canal evangélico. – Putz! Deixem espaço para os adoradores de satã. Como vai se lutar contra o inimigo se ele deixar de existir? Se o diabo morrer, quem precisará de Deus? – Desliga a televisão. O silêncio refrescante ecoa em sua mente. Não é engraçado como o silêncio possui som? Por vezes o silêncio possui um som tão alto que imaginamos que nenhum outro som vai conseguir suplanta-lo. Nosso cérebro é escravo do meio. Os sons entram sem permissão, assim como a dor. Não há como evita-la. Podemos controlar parcialmente seus efeitos, mas somente depois de ter chegado. Ela chega sem avisar e abre a porta e se instala. Nos nega até nossa vontade de viver. Talvez ela queira nos dizer que não somos eternos. Que estamos a todo momento sucubindo as intepéries da vida. Talvez seja a maneira de nosso corpo dizer adeus aos poucos, como se cada neurônio gritasse para os outros sua despedida. Nossa pele resseca, como se sugada pelo vácuo da vida, esvaindo de nosso interior, como uma bexiga que esvazia perdendo o ar que a sustentava.Mas na hora que o último resto de dor se for, na hora que último neuronio sair e apagar a luz... a dor se vai. Que droga, preciso atender o telefone.