Ele seguia cambaleando pela avenida. Cada passo era como uma vitória. O vento frio do outono lambia sua pele suja e ressecada levando consigo o aroma de sua precária higiene. Um casal cruza a rua e evita seu olhar – sou um monstro – pensou. Estava acostumado ao desprezo da sociedade, visto como um pária, aquele que “sobra”. O por do sol tinge de dourado os prédios encardidos e as ruas fétidas. Procura um lugar para sentar, a bebedeira está passando, está conseguindo pensar novamente. Ele odeia ter de pensar, cada vez que reflete sobre sua vida sente um vazio enorme, lembra-se de que é um monstro. Para em frente a um velho cinema abandonado. Outros monstros estão na porta cabisbaixos. Um deles cobre-se com uma folha de jornal. Há algo escrito, porém como não sabe ler vê a figura. Um casal sorridente segura um cartão dourado na mão. – estes são gente afinal. Senta-se ao lado do outro que nem se mexe. Olha para rua, vazia afinal. Uma lufada de ar levanta os papeis jogados que dançam a melodia que vem do assovio gerado pelo vento que se espreme pelas frestas e cantos da cidade. O Sol dá seu último suspiro e se esconde por de trás da igreja matriz. Seus olhos cansados começam a querer se fechar, porém o ronco de seu estomago vazio os acorda. Com muito esforço levanta até a lixeira, a bebedeira está no fim sente enfim a fome. Remexe com cuidado, entre os dejetos acha um pote de iogurte. Enfia o dedo na garrafinha e retira uma generosa porção. Leva a boca, não mata sua fome, mas lhe concede uma breve sensação de prazer. Após sorver até o último suspiro do laticínio joga a embalagem no meio fio e vira-se em direção ao banco da praça. A cada passada aumenta o peso em suas costas, sente sua cabeça pesar pressionando suas vértebras, parece que seu pescoço não suportará a pressão. Apóia a mão direita no banco e vira-se, ao sentar sente um formigamento refrescante, como se seus músculos estivessem comemorando o momento em que podem enfim relaxar. Lentamente vai se permitindo deitar esticando seus membros sujos e podres pelo banco da praça. O vento gelado da noite lhe abraça como um castigo do carrasco. Sua pele reage ao contato e arrepia-se, tentando inutilmente afastar o cobertor gelado da noite. O monstro está cansado demais para levantar-se e procurar algo. Pelo menos o frio lhe disfarça a fome. – Meu Deus!!!!! Estou gelado!!!! – . Oh! Pobre monstro! Que espécie de Deus tu clamas? O mesmo que se revelastes a Abraão? Aquele era a imagem e semelhança do homem e não de ti, pobre asquerosa criatura. Para ti não há Deus, há somente a conformidade de tua existência. O sono custa a chegar. Abraçando o próprio corpo o monstro luta contra o frio e finalmente dorme. Um sono sem sonhos, mas sem dor. E é sem dor quando quatro garotos humanos se aproximam e numa brincadeira inocente jogam-lhe álcool e tacam-lhe fogo. O monstro nem se mexeu enquanto era consumido pelas chamas, talvez já estivesse morto antes de seu corpo arder. Os quatro garotos voltaram felizes para casa. Tinham matado o monstro, agora o mundo está mais humano.
imagem: Las Manos Del Mendigo. de Oswaldo Guayasamín