quinta-feira, novembro 04, 2010

Crepúsculo. Um amor de morto vivo

O nosso amor começou e terminou assim. Em um belo fim de tarde, enquanto caminhava pelas ruas vazias da cidade devastada, encontrei-o vagando. Seu corpo balançava como um pêndulo e sua carne podre ainda se desprendia dos ossos revelando o cheiro azedo da morte. Sua boca aberta exibia, como condecorações de guerra, os dentes sujos de sangue que deixavam transparecer o sucesso de sua última refeição. O olhar vago e pouco profundo se voltava para o interior de sua alma como se buscasse encontrar vida no pouco que ainda restava de atividade em seu cérebro corroído pela peste. E foi neste instante que me apaixonei. A aura formada nos seus escassos cabelos refletia o dourado do Sol e atingiu-me como uma espada cortante. Meu coração fervilhou, o desejo de possuir seu corpo naquele momento era insuportável. Senti que a recíproca era verdadeira quando caminhou em minha direção a passos curtos e vagarosos, por vezes cambaleantes e difíceis, afinal seus músculos não possuíam a mesma elasticidade de outrora e sua pele rasgava-se revelando o pus que, como a seiva de uma arvore ferida, escorria pela sua perna. Quando chegou perto de mim vi sua boca abrir e tentar me devorar. Senti que seu amor, assim como o meu, era imenso. Desejava-me, queria-me dentro de você, existe forma mais pura de amor? Existe maior sentimento de prazer? Quando a fera devora sua presa, o sangue se enche novamente de vida e expulsa, mesmo que momentaneamente a morte, assim o prazer atinge infinito. Por outro lado, a presa atinge o êxtase logo após a dilaceração. A sensação de alívio que surge logo após a dor intensa é imensa. Muitos torturados se apaixonam pelos seus algozes quando estes lhe concedem pequenos intervalos de descanso entre os momentos de suplício. O convalescente vê o mundo colorido quando se afasta da visão inebriante da morte. Desta maneira foi com muito amor e desejo que deixei ele me morder. Senti minha pele se desmanchar perante suas mandíbulas fortes e decididas. A dor lacerante foi recompensada quando vi o pedaço arrancado de meu braço descer por sua garganta. Ele me quer, a antropofagia é o mais intenso desejo do outro. Empurrei-o ao chão, sua debilidade impedia uma maior resistência. Uma vez caído segurei seus pulsos, era minha vez. Mordi sua garganta com força e engoli um farto pedaço de carne. O gosto era indescritível. A carne era macia e se desmanchava com facilidade. O visco formado pelos tecidos podres encharcados de sangue e pus escapava do pedaço como água abandona uma esponja. O desejo era muito forte. Desci para suas axilas, onde um delicioso e tenro nervo ofereceu uma maior resistência. Seu braço pendeu, caiu sobre minhas costas. Senti suas unhas rasgarem meu vestido e penetrarem em minha pele. O suor se misturou com o sangue e enfim tive um orgasmo. O desejo, o prazer e a dor se misturaram em um caleidoscópio de sensações. Meu prazer se multiplica quando sua boca agora acertou meu seio direito e o arrancou. O sangue explodiu em seu rosto, atiçando ainda mais seu frenesi. Entreguei-me passivamente e, debruçando sobre seu corpo, arranco-lhe a orelha. Porém, foi neste momento que vi o seu olhar desviar-se para outra fêmea que nos observava. E foi com muita tristeza que apanhei meu colt 45 e disparei em seu crânio espalhando seus miolos ao chão. Seria demais para mim ver você desejar comer outra mulher.