domingo, maio 24, 2009

Blues em sala de aula

Na minha ânsia de querer ser um educador em um país onde a cultura do "não saber" é cada vez mais valorizada pelos meios de comunicação, me fez repensar sobre minha metodologia de ensino. Diferentemente do cursinho, onde cuspo a matéria na mente dos meus alunos e escrevo todos os tópicos na lousa tudo ao mesmo tempo, na escola tenho mais tempo para iniciar um diálogo mais pessoal com meus alunos. Como odeio que copiem a lousa enquanto explico, sempre dei tempo para meus meninos e meninas copiarem a matéria. Há tempos penso que poderia aproveitar melhor este tempo, então desde a semana passada passei a colocar música neste intervalo. Como, conforme disse no início, tenho uma ânsia de querer educar, resolvi colocar músicas que eles não conhecessem. Iniciei com Mozart, onde dei uma breve descrição de quem ele era. Nesta semana será a vez do Blues de Buddy Guy na segunda e na terça será a vez da música eletrônica do Depeche Mode. A cada semana dois estilos musicais totalmente diferentes e desconhecidos desta nova geração.
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segunda-feira, maio 18, 2009

Urbis Animalis


Saltou do onibus. Os pés tocaram o chão úmido da chuva da madrugada. Era ainda escuro quando caminhava a passos largos pelo terminal Bandeira. Desceu as escadas em direção ao acesso ao metrô. As pessoas caminham apressadas em sua rotina diária. Alguns de cabeça baixa olhavam para o chão, como uma fileira de bois caminhando em direção ao matadouro. Outros, com olhos vitreos, andavam mecanicamente pelos corredores do terminal. Junto com os demais, ele caminhava. Os passos largos demonstravam pressa. Não tinha vontade de chegar cedo, apenas seu corpo, já acostumado a esta rotina diária, agia mecanicamente sem precisar de alguma decisão inteligente para seguir seu caminho. Já estava acostumado com essa situação, afinal todos os dias de segunda à sábado deixava bem cedo sua casa no Jardim das Belezas e seguia para a República, onde iria trabalhar no escritório do Doutô António. Na saída do terminal, antes de entrar no metrô do Anhangabau, parou e foi dar uma espiada nos DVDs em promoção
– Tem algum ae do Marcelo Rossi?
– Tem não.
– Brigado.
– não serve outro?
– Não, valeu.
Contnuou seguindo. Passou pela catraca e desceu em direção à plataforma que já estava lotada. As pessoas se aglomeravam a espera do trêm. Uma senhora gorda de rosto redondo chamava sua atenção. Ela tinha o cabelo molhado muito esticado devido ao rabo de cavalo. Era interessante perceber que rente à sua cabeça estava tão retesado que dava a impressão de que os fios iriam a qualquer momento saltar da testa. Porém, logo após o elastiquinho ele tornava-se crespo, solto, aliviado da tensão que o prendia. O pescoço largo e fofo da mulher terminava em um grande colo, onde dois grandes seios desafiavam as leis da física e tentavam desesperadamente saltar fora da blusa decotada e apertada da mulher. O resto de seu corpo ele nem quis notar, pois aquelas duas grandes massas penduradas serviram para prender-lhe a atenção. Não que os achasse belo, porém devido a estranhesa que causavam, quebravam a rotina do ambiente. A mulher percebeu o olhar, mas procurou não demonstrar nada. Era casada, tinha três filhos, O mais velho já trabalhava, tinha 17 anos e fazia um bico na oficina do avô. Os dois mais novos ainda estudavam. Sentia que a cada filho que nascia um pouco de sua beleza saia junto. O corpo flácido apresentava as cicatrizes da geração da vida. Seu marido não a queria mais. A mulher sentia sua vida esvaindo, percebendo que agora o que lhe sobrava era apenas a morte, que a cada dia a levava aos poucos. Aquele rapaz, um negrinho magro, porém forte, e de olhar atrevido mexeu com seu corpo. Sentia uma pontada, um frio congelante a perfurar-lhe. Sentia seus rins colarem e uma palpitação forte. Sua garganta apertava, seu sexo lubrificado preparava-se para ser invadido, violentamente que fosse. Um homem ao lado fumava um charuto. Soltava a fumaça, que de forma delicada formava desenhos na estação. Fechou os olhos e veio a imagem de sua boca no pau daquele negrinho. Imaginava-se enrolando-se na sua cama, voltando a ser mulher, voltando a viver. Precisava desesperadamente disfarçar, controlar sua excitação. Passa então os dedos nas pontas soltas do cabelo, acariciando, imaginando tocar a ponta do membro do jovem que a olhava. A porta do metrô é aberta e a multidão entra no vagão. Como bárbaros que arrebentam os portões de um castelo e procuram espólios dentro dos limites da cidade, as pessoas, quase que derrubando umas as outras, procuram desesperadamente bancos para sentarem. A mulher consegue sentar. O garoto para na sua frente. Poderia ter sentado ao lado, teve a oportunidade, era só deslocar o cotovelo um pouco mais a direita, que aquela evangélica jamais teria conseguido. Mas ali estava bom. Podia disfardamente olhar para aqueles dois monumentos que, agora deliciosamente expostos, podiam fazer sua imaginação voar. Apesar de não serem bonitos, seu volume dava-lhe um enorme sensação de luxuria, de sexo sujo, sem pudores, sem a mediocre rotina da vida e nem preucupação com a moral. A mulher agora sentada podia percerber que o garoto a olhava por cima. Sua boca estava próxima ao membro que inchava dentro daquela calça jeans. Era só baixar aquele ziper que ela sugaria aquele membro como se sugasse a vida. O garoto, uns 15 anos mais jovem, não era bonito. Sentia o aroma de perfume barato e seus labios grossos davam uma impressão animalesca. Devia ser um desses garotos insensíveis que abusam de menininhas em festas funks, um maloqueiro, um fora da lei. O balançar do metrô a insinuava, imaginava o vai e vem, via sua boca indo e vontando, engolindo aquele membro. Imaginava as mãos do garoto segurando sua cabeça com força. E no momento do gozo a obrigando a engolir todo seu tesão que lhe escapava. Algo inesperado aconteceu. O Metrô para. A luz se apaga e ninguém mais consegue ver nada. É agora!!!!! Vou come-la! Vou chupa-lo! Durante os cinco minutos no qual a luz do trem ficou escura, muitos gritaram, outros riram, outros simplesmente continuaram espera, teve até quem dissesse que o fim do mundo estava próximo, ou que era uma invasão dos Eua. Mas ao ascender das luzes no meio da reclamação generalizada do atraso, duas pessoas mostravam em seus rostos o sorriso de quem a vida não se fez esperar, pelo menos não desta vez.

domingo, maio 17, 2009

Dor



Eram três da manhã quando olhou para o relógio. A testa estava molhada e sentia um frio umido em seu colchão, havia suado frio novamente. Levantou e foi até a cozinha. Sua cabeça pesava nos ombros, parecia que seu cérebro iria romper a sua caixa craniana e, numa explosão cinematográfica, tingir a sala com seus miolos. As mãos estavam inchadas e o pé se arrastava pelo frio azulejo da cozinha. O bebedor de barro ostentava-se como um troféu ao canto, do lado da pia. O relógio da sala gritava, ou melhor urrava tic tacs alucinantes, sua cabeça doia ainda mais, sentia a garganta seca e os olhos arderem. Finalmente consegue o copo com água, mas está tão pesado e dificil de ser erguido à boca. Em goles inclementes e refrescantes acalmou seu organismo sedento. Sorvia a água e a sentia percorrer seus poros, repondo seu gasto noturno. A cabeça doia menos quando foi para a sala – onde diabos está o controle ? – Baixou a cabeça para procura-lo em baixo do sofá... ah antes não tivesse feito isso... Franziu a testa. Uma dor lacinante perfurou suas temporas, expremendo sua mente. A cabeça estava pesada e seus joelhos dobrados não conseguiam obedecer sua vontade de levantar. A mão direita agarrava-se com força no couro velho e rachado do sofá e os dedos cravavam na espuma exposta. Com muita dificuldade finalmente levantou – droga! Preciso de um analgésico! – Caminhando com os braços erguidos e tateando o caminho como um zumbi dos filmes de Romero, alcançou o banheiro. A dor lascinante obrigava-o a manter os olhos semifechados. Seu rosto enrruga-se com a dor. Na testa, suas linhas de expressão formavam vales e colinas que brilhavam com o suor de seu rosto. Com sua mão tateando, finalmente consegue abrir o espelho, mas devido à violência de seu ato e da falta de organização no armário, duzias de caixas de remédios escorrem pelas prateleiras como a água represada de um rio. – Porra!! Nada dá certo comigo! – Um frasco de comprido se abre com a queda e a única pilula escapa e circula as paredes da pia. – Droga! Este aqui não – Sua mão procura desesperadamente segurar a pedrinha milagrosa, mas devido a sua falta de concentração graças a sua febre, deixa a cair no ralo. – Porra! E agora? – Com as mãos fechadas apoiadas na pia, tal como um lutador de boxe concentrado, tenta desesperadamente achar uma saída no labirinto congestionado de sua mente. O telefone toca. Suas palpebras apertam ainda mais, formando rugas nos cantos dos olhos. O telefone toca. Aperta fortemente suas mãos ao ponto de suas unhas marcarem a carne macia da superficie da palma. O telefone toca. Abre os olhos de forma ríspida, deixando-os exageradamente arregalados e olha para cima como se tivesse rompido a lâmina de água e desperto de um afogamento. O telefone toca.- Não vou atender – O telefone toca. – Que merda! Quem é o filho da puta sem noção? – O telefone toca. ... ... ... ... ... ... finalmente silèncio. Volta vagorosamente para sala, os pés pesados arrastam-se, deita-se no sofá, olha em volta e lembra-se de que não achara o controle. Aproxima-se da tv e liga. Um pastor evangélico salta à tela.
- Quem é aquele que salva! – grita à multidão de ovelhas hipnotizadas.
- Jesus! Jesus! – responde o séquito.
-Não há dor e nem sofrimento para aquele que acredita em nosso Senhor Jesus Cristo!
- Glória! Que assim seja!
- Grande coisa! – muda o canal. Agora a imagem de uma mão de unhas bem feitas aparece na tela do aparelho. – Mas que merda é essa?
- Este lindo anel de topázio pode ser seu por apenas quinze vezes de 800 reais. Mas ligue agora, é a última peça!
Aperta novamente o botão e ... outro canal evangélico. – Putz! Deixem espaço para os adoradores de satã. Como vai se lutar contra o inimigo se ele deixar de existir? Se o diabo morrer, quem precisará de Deus? – Desliga a televisão. O silêncio refrescante ecoa em sua mente. Não é engraçado como o silêncio possui som? Por vezes o silêncio possui um som tão alto que imaginamos que nenhum outro som vai conseguir suplanta-lo. Nosso cérebro é escravo do meio. Os sons entram sem permissão, assim como a dor. Não há como evita-la. Podemos controlar parcialmente seus efeitos, mas somente depois de ter chegado. Ela chega sem avisar e abre a porta e se instala. Nos nega até nossa vontade de viver. Talvez ela queira nos dizer que não somos eternos. Que estamos a todo momento sucubindo as intepéries da vida. Talvez seja a maneira de nosso corpo dizer adeus aos poucos, como se cada neurônio gritasse para os outros sua despedida. Nossa pele resseca, como se sugada pelo vácuo da vida, esvaindo de nosso interior, como uma bexiga que esvazia perdendo o ar que a sustentava.Mas na hora que o último resto de dor se for, na hora que último neuronio sair e apagar a luz... a dor se vai. Que droga, preciso atender o telefone.